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Uma tarde na biblioteca.


Foto de Unsplash - Pixabay - Creative Commons

Batuquei com os dedos na grande mesa de madeira ouvindo aquele barulho imaginário de um cavalgar. Logo à minha frente havia uma pilha enorme de livros, a missão do dia era escolher algum deles para um trabalho de literatura mega importante. O problema é que eu estou quase arrancando os cabelos!


Todos os livros eram bons, mas não pareciam o suficiente. Tinha que ser algo especial, faltava um “tchan”, um toque especial, um brilho diferente...


Eu já estava exausta de tanto caminhar pela biblioteca à procura do livro perfeito, parecia uma caçada no deserto (e por deserto, quero dizer que nem alma penada visita esse lugar). Tudo aqui era muito vazio e cheio de pó, além de mim, estava a bibliotecária que passava o tempo todo lendo livros. Até tentei conversar um pouco com ela, mas a sua leitura era mais importante que ouvir uma adolescente esquisita que não curte e-books.


Olhei para os lados e bufei entediada. Quer saber? Vou dar uma volta!


Caminhei pelos longos corredores, que mais pareciam um labirinto infinito. Fui até o fundo da biblioteca encarando as prateleiras altas, por causa disso acabei tropeçando em um desnível e caí de cara em uma grade de ferro antiga. Mas o quê?!


Semicerrei os olhos para enxergar melhor e notei várias estantes de livros em meio a escuridão. Segui a grade até encontrar a porta, logo a cima dela li a placa: “Livros proibidos ou esquecidos”.


Como era o ditado? “Tudo o que é proibido é mais gostoso”.


Uma luz se acendeu, achei o meu “tchan”. Livros proibidos ou esquecidos, ninguém nunca falará sobre eles. Eu sou uma gênia! Eles estão me chamando, gritando o meu nome em um transe.


Eu.preciso.entrar.aí!


Corri de volta pelo labirinto de estantes e perguntei à bibliotecária sobre aquele lugar mágico escondido de tudo e de todos. Sem tirar os olhos da página, ela me entregou uma chave velha de ferro, a agradeci e saí praticamente voando.


Abri a porta escutando um ranger forte que causava calafrios. A poeira voava por todos os lados e o cheiro de mofo impregnava o lugar. Procurei um interruptor pelas paredes, e depois de tocar em pelo menos três teias de aranhas, o encontrei.


Luzes amareladas se acenderam revelando uma biblioteca velha e mau cuidada. Qualquer um sairia dali correndo, mas eu estava tão animada que comecei a ler os nomes nas lombadas expostas.


— Quem é a louca?


— Shh, ela vai nos ouvir!


Vozes sussurraram ao longe.


Arregalei os olhos sentindo o meu coração quase saltar pela boca. Não pode ser, esse lugar estava trancado! Devem ser alucinações causadas pelo mofo, já li isso em algum lugar, ou será que foi na televisão?


— Eu te disse, ela já ouviu — dessa vez escutei a voz de uma mulher.


— Não quero voltar para o livro — sussurrou um menino.


Mil coisas passaram pela minha cabeça depois de escutar essa frase. Como assim, voltar para o livro?!


Ao invés de fugir, como qualquer pessoa normal faria, caminhei lentamente em direção a essas vozes, e encontrei um grupo de pessoas fantasiadas. Todos eles me encararam assustados e saíram correndo, a única que ficou foi uma mulher de vestido branco que mais parecia um monte de trapos remendados, algo do século XVII.


— Claro, claro. Covardes — esbravejou irritada e cruzou os braços antes de me encarar nos olhos. — E você, quem é? Está viva ou é de algum romance? — Ela me rodeou movendo as narinas, parecia estar me farejando. — Não tem cheiro de ficção, nem de romance adolescente. Já sei! Deve ser um chick-lit, já ouvi falar, mas esses nunca entram aqui. Aquela Beck Bloom sempre passa perto da grade para chegar à seção de revistas de moda. — A mulher revirou os olhos.


— Eu estou viva, e você, quem ou o que é? — Franzi a testa confusa.


Qual é a graça de descobrir que personagens podem sair de livros, mas os meus crushes de livros nunca saem para dar uma voltinha? Mundo injusto!


— Annelise Willheart. Protagonista do livro “Annelise, Mulher de Ouro”. — Ela curvou-se como uma dama da realeza.


— Quem?


— Duvidava que você fosse me conhecer. — Encarou as unhas com desprezo. — Estamos na seção de livros proibidos e/ou esquecidos, meu bem. O que você esperava? Que eu fosse a Julieta? Essa daí está em algum lugar em um pedestal sendo mimada pelo Romeu.


— Já entendi — respondi impaciente. — Tem alguma versão sua que não seja ácida?


— A que não está se oferecendo aos homens. — Olhei para trás e lá estava um homem sentado em uma das estantes.


Ele vestia um terno bem antigo, usava cartola e um monóculo.


— Pelo menos a minha história é mais interessante que a sua! — Ela mostrou-lhe a língua.


— Indecente. O livro “Pintor de Aguarrás” foi muito famoso. — Ele ajeitou a lapela de seu terno e lançou um olhar convencido para ela.


— Até que caiu no esquecimento, queridinho.


Os dois começaram a discutir sobre enredos, best-sellers e quais eram os livros mais procurados. Eu estava me divertindo com toda aquela briga, até que senti alguém cutucar o meu braço.


Um personagem me tocou de verdade e eu senti!


— Não liga para isso, eles sempre discutem assim. — Arregalei os olhos ao perceber quem era.


— Menino Maluquinho?! O que você está fazendo aqui?


— Fui enviado para cá por engano. — Ele deu de ombros. — Aqui é mais divertido que lá fora, somos livres para sair a hora que quisermos e sempre tem gente nova aparecendo, quer dizer, gente que descobre como sair do livro.


— Entendi. — Ficamos naquele silêncio desconfortável por alguns segundos até que resolvi voltar para a minha caça ao livro perfeito. — Quer me ajudar a achar um livro legal? — Ele assentiu com a cabeça e eu encarei os dois que ainda estavam brigando. — Qual é a história deles? — Apontei para Annelise e o homem de terno velho.


— Annelise era uma nobre que ficou pobre e começou a trabalhar em um bordel para se sustentar, seu livro foi censurado uma semana depois do lançamento, disseram que era muito vulgar. O pintor se chama Von Luc, foi um best-seller por três dias, até que descobriram que era tudo ficção e que os quadros eram de outro pintor.


Abri e fechei a boca chocada. Deve ter sido uma confusão naquela época. Que babado! Será que saiu uma notícia nos jornais?


— Olha, aqui tem dos livros mais tenebrosos até os que são mal escritos e... — Ele foi interrompido por Annelise.


— Você está procurando um livro para levar? — Ela parou na minha frente muito animada.


— Pode sair, sua meretriz. — Von Luc a empurrou para trás. — Ela vai escrever sobre mim, irá me libertar do esquecimento!


Nesse instante ouvi várias vozes altas e confusas, até que encarei o Menino Maluquinho e entendi. Eles queriam que eu os libertasse. Vários personagens surgiram ao meu redor, todos eles falavam juntos e era impossível entender as palavras que saíam de suas bocas. O Menino Maluquinho agarrou a minha mão e nós corremos por entre as estantes.


Passei por várias histórias que me soavam familiares. Histórias que se fossem publicadas nos tempos atuais, não seriam encaradas como proibidas. Havia livros sore escravos, feminismo, homossexuais, deuses, cultura wicca, prostituição, traição e vários outros temas que foram considerados tabus ou intragáveis pela sociedade. Porque admitir que existe outra realidade além dos contos de fada é difícil, pelo menos para aqueles que insistem em não ver.


Pisquei rapidamente tentando me situar, estávamos em um beco sem saída. Olhei para trás com os olhos arregalados, todos os personagens dos livros estavam vindo atrás de nós. Minhas mãos suaram frio, não havia para onde ir.


Minha respiração acelerou e o encarei desesperada. Ele tentou achar alguma saída, entrou e saiu de um livro, mas eu não podia fazer o mesmo, eu não podia passear pelas histórias, eu não era uma personagem.


Encostei na estante no final do corredor e fui rodeada por personagens que suplicavam para que eu os tirasse dali, via braços, rostos, cabelos, bocas e olhos me consumindo, vozes por todos os lados e os borrões de suas imagens que me mareavam.


Agarraram meus braços e minhas pernas, queriam convencer-me a qualquer custo. Segurei firme a mão do Menino Maluquinho e fechei os olhos desejando que todos eles voltassem para os seus livros. As vozes que tento insistiam em ser escutadas, se calaram.


Abri os olhos e sacudi a cabeça confusa. Eu havia dormido sobre uma pilha de livros! Esfreguei os olhos com força, não havia biblioteca de livros proibidos, muito menos personagens fora dos livros, foi tudo um sonho esquisito.


Neguei com a cabeça inconformada. E agora? Eu ainda não tenho um livro para o trabalho da escola. Ai que saco! Folheei o livro a minha frente e a bibliotecária apareceu com dois livros na mão, a encarei desconfiada e ela sorriu simpática.


— Aqui estão os livros que você me pediu. — Ela estendeu-os em minha direção. Peguei os dois sentindo o peso de um e a leveza do outro.


— Eu não me lembro de ter pedido livros para a senhora. — Franzi a testa ainda sem entender.


Ela piscou para mim como se compartilhássemos um segredo e saiu caminhando para os fundos da biblioteca. Encarei os dois livros que estavam em minha mão e um arrepio percorreu a minha espinha seguido por um congelamento dos meus dedos.


O primeiro era O Menino Maluquinho e o outro era um romance antigo de capa dura que se chamava Von Luc e a Dama da Noite.

 

Não, eu não morri!

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Criado no dia 11 de março de 2014.  Me expresso por aquilo que escrevo e por isso o Pandinando existe, meu blog pessoal onde compartilho ideias, opiniões, resenhas, dicas, músicas e vídeos que gosto. Até ensino alguns DIY e receitas!

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