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Um estranho na rua.


Um estranho na rua | Pandinando

Eu estava sentada no banco de um parque. Não me lembro bem o que me fez ir até lá, só sei que sentei-me para encarar a paisagem. Tudo parecia passar tão depressa e a correria do dia-a-dia estava me deixando louca! Eu precisava parar e esquecer que era adulta por um tempo.


Coloquei minhas mãos na cabeça sentindo-me entorpecida de informações, todos pareciam estar tão felizes ali, só eu estava cansada e amargurada. Foi minha escolha, sempre quis trabalhar em um escritório e aqui está o resultado, talvez não fosse realmente isso o que eu tanto desejava.


Encarei o caminho de pedra com os olhos mareados, a saudade batia à minha porta novamente. A brisa suave e o cheiro de grama recentemente cortada fizeram meu coração palpitar. Lembrei-me dos dias em que costumava correr por entre as árvores, brincar ao redor do lago e me sujar com lama. Ah, triste nostalgia. Agora é viver para e através do capitalismo, empresas sugando nossas almas até a última gota. Eu já não era a mesma de antes, meus sentimentos haviam sido esmagados. Pareço ser de ferro, mas as lágrimas continuam humanas.


— Moça? — um adolescente tocou em meu braço, não quis olhar para seu rosto. Eu parecia uma mulher patética chorando no meio do parque. Talvez eu devesse ir para casa — Você está bem? — silêncio se fez, não consegui responder. — Tenho algo para que você se sinta melhor — continuei com os olhos baixos. Sua mão pegou a minha, ele amarrou uma fita no meu braço e saiu andando.


Finalmente levantei o rosto e vi que aquilo não era só uma fita, ela estava ligada a um balão laranja. Não entendi muito bem o que ele quis simbolizar com isso, mas a partir desse momento, comecei a notar de verdade as pessoas no parque.


Mulheres estressadas com seus filhos, algumas crianças correndo e outras em celulares ou tablets. Idosos caminhavam tranquilamente observando tudo como se estivessem no paraíso. Todos, de alguma forma, pareciam estar aproveitando o seu dia, mesmo que fossem aos berros. Todos eles estavam envoltos em uma bolha iluminada, menos uma pessoa...


Um homem, por volta dos quarenta anos, estava sentado na grama enquanto escrevia calmamente, a caneta parecia flutuar sobre a folha de seu caderno. Estava claro que ele era um homem de rua, havia uma mala velha ao seu lado e alguns livros espalhados ao seu redor. Ele parecia encarar o céu de tempos em tempos como se estivesse almejando algo, mas seus olhos refletiam dor e solidão.


Eu estava com o rosto inchado e tinha um balão. O que eu tinha a perder? Resolvi aproximar-me dele, fui bem lentamente para que o homem não se assustasse ou saísse correndo. Assim que parei na sua frente, ele começou a falar.


— Desculpa moça. Por favor, não chame nenhum guarda para me tirar daqui! Só quero aproveitar o parque... — o interrompi.


— Não se preocupe. Não vou chamar guarda nenhum, só estava um pouco curiosa — comentei e ele me encarou surpreso. Ele não parecia um mendigo comum, suas roupas eram velhas, sua barba era grande, mas ele estava bem arrumado. Seu cabelo bem penteado, roupas um tanto amassadas, banho tomado. Aparentemente, alguém o ajudava.


— Curiosa, moça? Eu sou só um mendigo sentado no parque — ele respirou fundo com pesar.


— Deixe disso! — falei e ele ainda parecia estar surpreso. Até eu estou surpresa com a minha atitude e esse balão amarrado no pulso! — Você tem algo especial, qual é a sua história? — ele me encarou desconfiado e eu só sorri tentando passar confiança.


— Não tenho família, os perdi com quinze anos de idade e ninguém quis me adotar — um silencio desconfortável se fez, o ar estava pesado e pude sentir sua dor. Seu olhar o havia levado para outro lugar, talvez lembranças estivessem recheando sua mente e lágrimas começavam a escapar de seus olhos. — Quando fiz dezoito, vim para as ruas. As pessoas sempre costumavam a me ajudar, fui para abrigos. Enquanto alguns juntavam dinheiro para comprar bebidas, eu juntava para comprar livros e cadernos — ele respirou fundo.


— Falei que você era especial! — sorri animada e ele pareceu se animar também.


— Obrigado.


— Então você poderia me mostrar seu trabalho? — ele arregalou os olhos


— Você quer mesmo ver a obra de um mendigo? — ele continuava surpreso e segurava o caderno contra o peito.


— Claro! Todos nós temos algum talento especial que precisa ser apreciado! — ele me deu um caderno um pouco relutante, o peguei com cuidado e comecei a ler.


Eram contos variados. Havia romance, tragédia, comédia. O material dele era muito bom, as pessoas gostariam de ler isso! Pode haver alguns erros de ortografia, mas as histórias eram fantásticas. Eu ri, chorei e me emocionei. Ficamos duas horas juntos enquanto eu lia algumas de suas obras.


Às vezes me pego pensando que há tanta gente talentosa sem oportunidade para reconhecimento. Ele leva uma vida tão simples. Este homem merece uma vida melhor, oportunidades...


— Você escreve muito bem! Adorei seus contos. — ele sorriu para mim.


— Muito obrigado, moça. Minha mala está cheia de histórias — ele encarou o chão um pouco triste.


— Eu tenho o contato de uma editora, eu poderia te ajudar! O que você acha da ideia?! — eu estava muito animada, queria ajudar alguém e ele parecia uma boa pessoa para ser ajudada!


— Eu agradeço muito, moça. Mas essas histórias são do coração. — franzi a testa não entendendo. — Não quero que elas sejam comercializadas, pelo menos não assim, quero fazer as pessoas sorrirem de vez em quando, por isso essas edições são únicas e especiais. Espere um pouco... — ele abriu a mala e tirou um caderno antigo de lá.


— Quero que leve este, você precisa mais dele do que eu — arregalei os olhos.


— Eu não posso levar, são suas histórias aqui dentro, eu não posso aceitar.... eu... — ele me interrompeu.


— Não preciso ser reconhecido pelo mundo inteiro, só quero fazer a diferença para aqueles que realmente precisam, moça. Não quero ser homem de sucesso.


— Quantos livros você já deu? — perguntei emocionada com um aperto no coração.


— Já perdi a conta, moça. Pode levar esse, prometo que é bom. — ele sorriu mostrando seus dentes amarelos.


Comecei a mexer na minha bolsa, talvez eu possa dar algum dinheiro para que ele possa comer ou algo do tipo. Assim que abri minha carteira, ele segurou em minhas mãos.


— Você não precisa fazer isso, não quero seu dinheiro — guardei de volta na minha bolsa.


— Queria contribuir com algo, não posso simplesmente ir embora! — ele sorriu.


— Moça, você já fez muito vindo até aqui, estou feliz de saber que gostou do meu trabalho. É só disso que eu preciso, um caderno e um sorriso no rosto de uma boa pessoa — encarei o balão no meu pulso e tive uma ideia.


— Bom, já que você me deu um de seus cadernos recheados de histórias, eu quero dar-lhe este balão. Sei que não é o mesmo — comecei a desamarrar do meu pulso — mas é uma lembrança. — peguei sua mão e amarrei em seu pulso.


— Muito obrigado, moça. Escreverei uma linda história sobre você e alguém muito especial poderá ler algum dia —agradeci com um aceno de cabeça e me levantei. — Adeus.


— Adeus — acenei para ele tendo a certeza de que nunca o veria novamente.

...

Cheguei a minha casa exausta, tomei um banho e me deitei na cama com o livro. Suas folhas eram amareladas e a letra cursiva era delicada. Li a primeira linha e abri um sorriso enorme.


"A história de Roberto. Um homem, que mesmo tendo pouco, queria mudar o mundo e emocionar pessoas. Esse sou eu, só mais um estranho na rua. E acredite, você é a pessoa mais extraordinária que eu já conheci. Confio minha história de vida a você, obrigado...".

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Hello Pandas! Este texto faz parte do Projeto Escrita Criativa! Espero que vocês tenham gostado, acho que esse foi um dos textos que eu mais gostei até agora! Vocês podem conferir o trabalho dos outros participantes na página do face!


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Criado no dia 11 de março de 2014.  Me expresso por aquilo que escrevo e por isso o Pandinando existe, meu blog pessoal onde compartilho ideias, opiniões, resenhas, dicas, músicas e vídeos que gosto. Até ensino alguns DIY e receitas!

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